Os Estados Unidos autorizaram, pela primeira vez, ensaios clínicos de transplante de rins de porcos geneticamente modificados em humanos. O anúncio foi feito nesta segunda-feira (8) pela empresa de biotecnologia eGenesis, após aprovação do Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de alimentos e medicamentos do país.
“É um período muito otimista”, afirmou Paul Conway, presidente de políticas e assuntos globais da Associação Americana de Pacientes Renais, o maior grupo de defesa de pacientes renais nos EUA.
Como funcionam os xenotransplantes
Segundo informações da ‘CNN Brasil’, os porcos desenvolvidos pela eGenesis passam por edição genética com a tecnologia CRISPR, que desativa o gene responsável pelo carboidrato alfa-gal. Essa modificação evita a rejeição imediata do órgão pelo corpo humano, tornando os transplantes mais seguros.
Chamados de xenotransplantes, esses procedimentos já foram realizados de forma experimental em hospitais renomados, como o NYU Langone e a Escola de Medicina da Universidade de Maryland. Até agora, eles ocorreram em caráter de uso compassivo, em pacientes sem alternativas terapêuticas.
Casos recentes nos EUA
O Hospital Geral de Massachusetts (Mass General) anunciou nesta segunda (8) seu terceiro transplante experimental de rim de porco. O paciente Bill Stewart, de 54 anos, recebeu o órgão em junho, já voltou para casa e até retornou ao trabalho.
“Há tão poucos de nós que fizemos isso, e eles estão escrevendo o protocolo conforme avançamos, por assim dizer”, disse Stewart. “Mas estou me sentindo bem”.
Com histórico de hipertensão e insuficiência renal grave, Stewart havia passado mais de dois anos em diálise. Agora, relata estar retomando atividades profissionais e pessoais:
“Tem sido algo fantástico. Acho que mentalmente, foi um obstáculo importante a ser superado… Poder ver todo mundo e ter algumas conversas e apenas voltar um pouco ao ritmo”.
Déficit de doadores e lista de espera
Atualmente, mais de 100 mil pessoas aguardam transplantes de órgãos nos EUA, sendo que 86% precisam de um rim. O tempo médio de espera varia de três a cinco anos, mas pode ultrapassar uma década para pessoas com sangue tipo O, como Stewart.
A realidade da diálise também é dura: a taxa de mortalidade em cinco anos chega a 50% para pacientes em tratamento.

Pacientes pioneiros e desafios
Entre os primeiros a receber um rim de porco está Rick Slayman, de 62 anos, que passou por cirurgia em março de 2024, mas faleceu dois meses depois de problemas cardíacos não relacionados ao transplante.
Já Tim Andrews, de 67 anos, permanece como o paciente vivo há mais tempo com um rim de porco funcionando.
Outros casos ocorreram em Nova York e em Maryland, incluindo tentativas com transplantes de corações de porcos geneticamente modificados.
O próximo passo: ensaios clínicos em larga escala
A eGenesis pretende realizar o transplante em 33 pacientes nos próximos dois anos e meio. Já a United Therapeutics, outra empresa da área, planeja testar a técnica em até 50 pacientes.
“Os casos únicos são super úteis para entender onde estamos… mas a grande questão é: como isso se comporta em uma variedade de pacientes diferentes?”, explicou Mike Curtis, presidente e CEO da eGenesis.
Para especialistas, a nova fase permitirá avaliar a durabilidade dos órgãos e a segurança em pacientes mais estáveis, que não apresentam complicações avançadas da diálise.
Expectativas para o futuro
Segundo a Associação Americana de Pacientes Renais, mais de 70% dos entrevistados aceitariam um rim de porco aprovado pelo FDA.
“Este próximo estudo nos permite estudar isso em mais pacientes e ter uma melhor noção de quão geralmente aplicável esta tecnologia será“, destacou Curtis.
O Dr. Robert Montgomery, pioneiro na área, lembrou a trajetória da pesquisa:
“Realizamos o primeiro transplante de rim de porco geneticamente modificado para humano em 25 de setembro de 2021. Não acho que nenhum de nós pensou que haveria dois ensaios aprovados pelo FDA começando menos de quatro anos após esse evento histórico”.
Para pacientes como Stewart, a esperança é clara:
“Depois que ouvi falar sobre isso, fiquei realmente comprometido em ver isso até o fim”.