Pela primeira vez na história, há mais crianças e jovens obesos do que desnutridos no mundo. O dado faz parte do relatório ‘Alimentando o Lucro: como os Ambientes Alimentares Estão Falhando com as Crianças’, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) nesta quarta-feira (10).
Segundo o levantamento, em 2015 ocorreu o ponto de virada: 9,4% de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos estavam obesos, contra 9,2% que sofriam com desnutrição. O estudo reúne informações de mais de 190 países.
Impactos da má nutrição
O documento ressalta que desnutrição e obesidade são problemas distintos, mas igualmente graves.
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A desnutrição prejudica o crescimento, afeta o desenvolvimento cerebral, enfraquece a imunidade e pode causar danos irreversíveis nos primeiros mil dias de vida.
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Já a obesidade infantil aumenta o risco de doenças crônicas, como diabetes, compromete o bem-estar, afeta a autoestima e tende a se prolongar até a vida adulta.

Desafios no Brasil
O Brasil aparece como destaque no relatório, mas também enfrenta desafios. Segundo a oficial de saúde nutrição do UNICEF no país, Stephanie Amaral, é preciso cuidado para não trocar a fome pelo excesso de alimentos de baixa qualidade.
“Se a gente sai da fome e come qualquer coisa, e principalmente esses alimentos chamados de ultraprocessados, que são alimentos pobres em nutrientes, ricos em sódio, em gordura, em açúcares, a gente está saindo da fome, mas para um quadro de excesso de peso, de obesidade, de doenças crônicas não transmissíveis”, alerta.
O percentual de crianças e adolescentes obesos no Brasil triplicou desde 2000, em grande parte pelo consumo crescente de ultraprocessados.
A médica Maria Edna de Melo, coordenadora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, explica em entrevista ao portal ‘G1’:
“São alimentos de baixo custo, praticidade, de alta durabilidade e que tem uma publicidade inclusive direcionada para a criança e adolescente muito importante. E isso define o que a população vai comer”.
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Foto: Ishaq Robin/Unsplash Medidas de referência no Brasil
Apesar do avanço da obesidade, o UNICEF cita o Brasil como exemplo em ações que podem inspirar outros países. Entre as medidas estão:
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Rotulagem nutricional clara para identificar excesso de açúcar, gordura e sódio em ultraprocessados;
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Isenção fiscal para alimentos in natura;
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Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante refeições saudáveis nas escolas.
“Isso é muito importante, porque as crianças e adolescentes passam a maior parte do tempo nas escolas. E lá elas precisam ter acesso a uma alimentação saudável”, reforça Amaral.
Números que preocupam
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5% das crianças com menos de 5 anos e 20% dos jovens de 5 a 19 anos estão acima do peso;
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O número de crianças e adolescentes obesos dobrou desde 2000 (de 194 milhões para 391 milhões);
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Países de baixa e média renda concentram 81% dos casos globais de excesso de peso.
Entre os hábitos identificados: mais da metade das crianças pequenas consome doces ou refrigerantes diariamente, e 60% dos adolescentes ingerem mais de um alimento ou bebida açucarada por dia.
Recomendações do relatório
O UNICEF sugere uma série de medidas para enfrentar o problema:
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Incentivar o aleitamento materno e a alimentação adequada na infância;
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Restringir a publicidade e consumo de ultraprocessados;
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Ampliar o acesso a alimentos frescos e água potável;
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Criar barreiras contra a influência da indústria alimentícia em políticas públicas;
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Fortalecer programas de proteção social e alimentação escolar saudável.
Para Melo, não há solução simples.
“São medidas regulatórias que vão disponibilizar para a população aqueles alimentos que são mais saudáveis e que precisam ser consumidos.
E reduzir o acesso daqueles alimentos que não contribuem ou, pelo contrário, que levam prejuízos à saúde da população”, afirma.
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