Arlindo Cruz, ícone do samba, faleceu aos 66 anos na última sexta-feira (8), causando comoção entre familiares, amigos e fãs espalhados por todo o Brasil. Após a morte, a divisão da herança do sambista reacendeu um debate sobre os direitos sucessórios de cônjuges que mantêm relacionamentos extraconjugais.
Isso porque a viúva de Arlindo, Babi Cruz, revelou que viveu um relacionamento amoroso com outro homem enquanto ainda era casada oficialmente com o cantor, que enfrentava sequelas de um AVC hemorrágico sofrido em 2017. Segundo ela, o casal permanecia junto apenas no papel, sem convivência como marido e mulher.
Babi Cruz, viúva do sambista, compartilhou detalhes emocionantes sobre o período em que decidiu se abrir para um novo relacionamento, mesmo enquanto o marido enfrentava graves problemas de saúde.
Na biografia ‘O Sambista Perfeito’, escrita por Marcos Salles, Babi revelou que a decisão foi precedida por conversas francas com os filhos, Flora e Arlindinho.
“Há uns dois anos, já vinha conversando com os meninos. Comecei a reclamar da solidão, que estava grande, muito grande. Nossa cama era uma king, troquei para uma queen e ainda estava grande. Vim para uma de casal comum e já estava indo para uma de solteiro, porque o espaço vazio, sem ter a perspectiva de ser preenchido, já começava a me doer”, disse ela.
Eis que Babi Cruz conheceu André Caetano durante as eleições de 2022, quando disputava uma vaga para deputada estadual no Rio de Janeiro. Ele era um dos coordenadores da campanha. O romance só se tornou público meses depois, no carnaval, durante a apuração que rebaixou o Império Serrano para a Série Ouro.
Após a confirmação do namoro, os filhos deixaram de seguir Babi nas redes sociais, decisão que ela afirma ter sido combinada para evitar exposição às ofensas.
“Foi tudo em comum acordo, deixar pegar fogo e rezar. Sabia que isso ia passar e que a verdade nós sabíamos. Eu sou mau caráter? Não. E também não sou uma piranha. Não tenho talento e, nem se eu quisesse, não seria. Sou digna demais.”
A empresária também reforçou que jamais deixaria de cuidar de Arlindo, independentemente de sua vida amorosa. “Está na hora de pensar em mim. O Arlindo é a prioridade da minha vida, uma prioridade da minha família e, se eu vier a me relacionar com alguém, quem quer que seja, vai ter que ter o Arlindo como prioridade.”
“Ninguém viu minha solidão”
Juntos por 40 anos, Babi e Arlindo viveram como casal desde o início da adolescência dela até o período mais delicado da saúde do cantor, que passou 8 anos acamado e sem comunicação.
No lançamento da biografia, em julho deste ano, ela descreveu o impacto físico e emocional da situação:
“Ninguém me viu emagrecer 25 kg e depois engordar mais de 30. Ninguém viu meu cabelo cair todo e ficar quase careca, tendo que usar peruca. Ninguém viu o meu sofrimento, a minha solidão, a minha depressão. Conheci o buraco mais fundo do que o fundo do poço. Meus filhos diziam: ‘Mãe, você vai morrer e meu pai vai ficar aí’. Eu só tomava água, café, remédio para depressão e fumava cigarro. Foram cinco anos e meio dormindo sozinha.”
O tema gerou repercussão nas redes sociais, com parte do público questionando se a empresária ainda teria direito ao patrimônio do artista.

O que diz a lei sobre o direito à herança
Para esclarecer o assunto, o advogado Guilherme Garlhardo explicou em entrevista ao ‘Terra’ que a resposta não é imediata.
Segundo ele, “o dispositivo legal central para essa análise é o artigo 1.830 do Código Civil. Ele estabelece que o direito sucessório do cônjuge sobrevivente só é reconhecido se, ao tempo da morte do outro, eles não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos”.
Além disso, o especialista destaca que o dever de mútua assistência, previsto no artigo 1.566 do Código Civil, pode pesar a favor de Babi.
“A tese seria que, ao zelar pela saúde e bem-estar do cônjuge incapacitado, a esposa estaria preservando um dos pilares do casamento, o que poderia, em tese, afastar a caracterização da separação de fato”, explicou.
Quando a situação pode ser desfavorável à viúva
Por outro lado, Garlhardo ressalta que o anúncio de um novo relacionamento amoroso pode indicar o fim da chamada affectio maritalis — a intenção de manter a vida conjugal.
“A corrente majoritária e mais moderna da doutrina e jurisprudência foca na análise objetiva do fim da união. A assunção de um novo relacionamento público é a manifestação inequívoca do término da affectio maritalis e da comunhão de vidas”, disse.
O advogado também lembra que, após a Emenda Constitucional 66/2010, a discussão sobre culpa pelo fim do casamento perdeu importância. O que pesa é a comprovação de que o vínculo afetivo e o projeto de vida em comum foram rompidos.
Caso isso seja provado, “a consequência jurídica mais provável, com base na interpretação predominante do artigo 1.830 do Código Civil, seria a exclusão da cônjuge da ordem de vocação hereditária, resultando na perda do seu direito à herança”.
Legado e herdeiros de Arlindo Cruz
Dono de uma trajetória marcada por sucessos, Arlindo Cruz registrou 1.844 fonogramas e 847 composições, incluindo clássicos como ‘Bagaço da Laranja’, ‘Meu Lugar’ e ‘O Show Tem Que Continuar’.
Pelas regras da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), os rendimentos de suas músicas continuarão sendo pagos aos herdeiros por 70 anos após sua morte. O sambista deixou dois filhos, Flora Cruz e Arlindinho, fruto do relacionamento com Babi Cruz.
Arlindo Cruz, integrante do grupo Fundo de Quintal, enfrentava complicações de saúde desde 2017, quando sofreu um AVC, e faleceu na última semana após internação para tratar uma infecção decorrente de derrame pleural.
Veja fotos dos herdeiros de Arlindo Cruz, Flora e Arlindinho:
