Com 334 votos favoráveis e 65 contrários, a Câmara dos Deputados aprovou nesta semana um projeto de lei que obriga condenados por crimes hediondos a cumprirem, no mínimo, 80% da pena em regime fechado. A medida vale para qualquer crime tipificado como hediondo, incluindo homicídio qualificado, feminicídio, estupro, latrocínio e crimes cometidos por integrantes de organizações criminosas ou milícias. Agora, o projeto segue para análise no Senado.
A proposta altera a atual Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), que hoje prevê possibilidade de progressão de regime após o cumprimento de 40% da pena para réus primários, com exceções e agravantes que podiam elevar esse percentual até 70%. A nova regra amplia significativamente esse tempo, impactando diretamente milhares de detentos e futuros julgamentos.
Um movimento por mais rigidez penal
Para os parlamentares que defenderam a aprovação do texto, a medida é uma resposta ao sentimento da sociedade em relação à violência. “A população está cansada de ver criminosos perigosos soltos antes do tempo”, argumentou o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), autor da proposta. O relator, deputado Alberto Fraga (PL-DF), foi ainda mais enfático: “O crime hediondo é uma agressão direta à dignidade humana. A sociedade exige um retorno proporcional do Estado.”
A proposta havia sido inicialmente pensada para crimes cometidos contra agentes da segurança pública, mas foi ampliada para todos os crimes considerados hediondos durante a tramitação.
Oposição critica projeto e alerta para superlotação carcerária
Parlamentares da oposição, por outro lado, criticaram duramente o projeto. Para eles, o endurecimento penal não resolve as causas da violência, apenas agrava a superlotação do sistema penitenciário, sem apresentar soluções para a reintegração social dos apenados.
O deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ) questionou a eficácia da medida. “Estamos apostando na prisão como panaceia, mas ignoramos educação, prevenção, saúde mental, emprego”, disse. A deputada Erika Kokay (PT-DF) também se posicionou contra: “É uma lógica de vingança travestida de justiça. A política penal precisa ser humanizada e inteligente.”
O que muda na prática
Se o texto for aprovado também no Senado e sancionado pela Presidência da República, o Brasil terá uma das regras mais rígidas do mundo no tocante à progressão de regime para crimes hediondos. O preso só poderá deixar o regime fechado após cumprir 80% da pena, o que na prática pode significar décadas de encarceramento, mesmo em casos com bom comportamento ou avanço nos estudos e trabalho.
Além disso, o projeto também proíbe a concessão de liberdade condicional para condenados por esses crimes, tornando o cumprimento da pena mais longo e inflexível.
Impacto no sistema prisional brasileiro
Atualmente, o Brasil já tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, com mais de 830 mil pessoas presas, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Com o novo projeto, especialistas alertam para um provável agravamento da superlotação nas unidades prisionais e para a pressão sobre os estados, que são responsáveis pela manutenção dos presídios.
Organizações ligadas aos direitos humanos também manifestaram preocupação. A ONG Justiça Global divulgou nota afirmando que a política de encarceramento em massa tem se mostrado ineficaz e que o Estado precisa investir em medidas preventivas, assistência jurídica e ressocialização.
Próximos passos e cenário político
O texto agora será analisado pelo Senado, onde poderá ser modificado ou aprovado como está. A expectativa é que o debate continue acalorado, uma vez que a proposta mexe com questões delicadas como segurança, justiça, encarceramento e política criminal.
Caso seja aprovada sem alterações, a nova regra entrará em vigor após sanção presidencial. Até lá, tanto a base do governo quanto a oposição devem apresentar emendas, discutir dispositivos e sugerir exceções ou adaptações.
Justiça ou populismo penal? A pergunta que permanece
A proposta de cumprimento de 80% da pena em regime fechado para crimes hediondos escancara a polarização em torno da justiça criminal brasileira. Para uns, trata-se de um avanço necessário para proteger a sociedade e dar respostas às vítimas. Para outros, é mais um passo em direção ao populismo penal, que se apoia na sensação de segurança sem, de fato, atacar suas raízes.
O debate permanece aberto. A população — muitas vezes afetada pela violência — clama por soluções. Mas a dúvida é: apenas punir com mais tempo resolve? Ou seria o momento de pensar em um sistema que previna, acolha, recupere e evite reincidência?
Enquanto o projeto caminha no Senado, a sociedade civil, especialistas e lideranças políticas seguem divididas entre o rigor necessário e a prudência desejável. O tempo — e os dados — dirão qual será o real impacto dessa mudança.