Mais de 1 milhão de imigrantes afegãos foram expulsos do Irã desde o cessar-fogo com Israel, segundo dados da Organização Internacional para Migrações (OIM), vinculada à ONU. A medida faz parte de uma ação do governo iraniano que alega suspeitas de espionagem para Israel por parte de cidadãos afegãos. Tais acusações geraram uma onda de detenções, deportações e reforçaram o clima de hostilidade contra essa população no país.
A decisão de Teerã acendeu o alerta em agências internacionais de ajuda humanitária. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) vem alertando para os riscos do retorno em massa ao Afeganistão, onde cerca de 70% da população vive abaixo da linha da pobreza e os direitos das mulheres e meninas sofrem restrições severas sob o regime Talibã.
Desde o fim do conflito contra Israel, autoridades iranianas intensificaram operações contra cidadãos afegãos, acusando-os de abrigar informantes da agência de inteligência israelense, o Mossad. Na mídia estatal, uma das reportagens mais repercutidas mostrou um suposto espião afegão confessando que teria recebido cerca de US$ 2 mil para repassar informações a Israel.
Ao mesmo tempo, o governo lançou campanhas públicas incentivando denúncias de afegãos sem documentação, elevando o número de detenções e deportações. Segundo levantamento da OIM, feito entre 22 de junho e 5 de julho, 44% dos afegãos foram deportados oficialmente e outros 50% deixaram o país por medo ou pressão direta das autoridades.
“Desumanização sistemática”, diz pesquisadora
De acordo com Sahar Fetrat, pesquisadora da Human Rights Watch, a xenofobia contra afegãos no Irã não é um fenômeno novo. Ela aponta que mesmo entre iranianos mais progressistas, o preconceito se mantém.
“Existe a crença infundada de que os afegãos estão tomando empregos por serem mão de obra barata. Essa política de desumanização é um projeto contínuo do governo e encontra eco na sociedade”, explicou em entrevista.
Durante as eleições presidenciais de 2024 do Irã, vencidas pelo moderado Masoud Pezeshkian, candidatos usaram o tema da imigração para justificar a crise econômica, culpando os afegãos pela escassez de empregos e recursos. Nas redes sociais, frases como “Expulsão dos afegãos: uma demanda nacional” ganharam força, revelando uma sociedade cada vez mais dividida em torno da questão.
Apesar das críticas, o governo insiste que a deportação tem apoio popular e é motivada por razões econômicas e de segurança nacional.
Veja uma foto do aiatolá Ali Khamenei, atual Líder Supremo do Irã:

Crise humanitária nas fronteiras e recursos no limite
Na prática, o deslocamento em massa tem causado sofrimento extremo para quem cruza as fronteiras. Segundo o Acnur, muitos chegam famintos, desidratados e exaustos, sob temperaturas que chegam a 52°C.
“Nossas equipes estão nas fronteiras prestando assistência a fluxos contínuos de pessoas exaustas, famintas e assustadas todos os dias”, informou o porta-voz do Acnur, Babar Baloch.
“Mas, com os atuais níveis de financiamento, só conseguiremos manter esse apoio por algumas semanas.”
Para o Irã, país que abriga hoje cerca de 3,8 milhões de refugiados e 1,1 milhão de afegãos, o volume de imigrantes representa um desafio contínuo. A política de acolhimento, que no passado foi marcada pela solidariedade religiosa e integração, foi substituída por restrições severas desde meados da década de 1990.
Segundo Mitra Naseh, professora da Universidade de Washington em St. Louis, a partir daquele período só entravam no país afegãos com risco comprovado de perseguição, e com direitos muito mais limitados.

Afeganistão: retorno a um cenário sem garantias
Para muitos, o retorno forçado significa enfrentar uma realidade ainda mais hostil. Mulheres e meninas estão entre os grupos mais vulneráveis, como explica Fetrat:
“As afegãs que retornam desacompanhadas não têm autonomia. Sem um tutor masculino, não conseguem sequer alugar um imóvel ou obter documentos. Quanto ao trabalho, só podem atuar em áreas muito restritas.”
Desde a volta do Talibã ao poder em 2021, mais de 1 milhão de afegãos buscaram abrigo no Irã, fugindo da repressão e da crise humanitária agravada pela seca e pelo colapso econômico. Agora, com o movimento inverso, a fragilidade do sistema de acolhimento internacional é colocada à prova.
Enquanto isso, 1.300 artistas, jornalistas e ativistas iranianos assinaram uma carta exigindo o fim das deportações e do tratamento desumano dado aos afegãos. Mas, até o momento, o governo mantém o discurso oficial de que a medida é necessária e tem respaldo da população.