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Paciente descobre câncer vindo de fígado transplantado em SP

Caso raro de Geraldo Vaz Junior, de 58 anos, revela os limites da triagem em transplantes. Especialistas reforçam que a transmissão de câncer por órgão doado é extremamente incomum e quase impossível de prever

Um caso considerado extremamente raro chamou a atenção de médicos e especialistas no Brasil. O paciente Geraldo Vaz Junior, de 58 anos, descobriu ter câncer no fígado meses depois de receber um transplante hepático realizado em julho de 2023, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Exames genéticos indicaram que as células cancerígenas pertenciam ao doador do órgão, e não ao próprio paciente. A confirmação veio após uma biópsia e um teste de DNA.

“Foi devastador. Meu marido recebeu um órgão com câncer. Esperamos por anos para viver um sonho, mas ele saiu de lá mais doente”, relatou Maria Helena Vaz, esposa do paciente em entrevista.

Câncer transmitido por transplante é possível, mas raríssimo

De acordo com especialistas, a transmissão de câncer por órgãos transplantados é um fenômeno biologicamente plausível, porém quase impossível de prever.

O oncologista Stephen Stefani, do Grupo Oncoclínicas, explica que células tumorais microscópicas podem não aparecer em exames de imagem, mesmo após rigorosos protocolos.

“Pode acontecer de um órgão conter células tumorais microscópicas que não aparecem em exames de imagem. Isso é algo que a medicina reconhece como possível, mas é extremamente raro — tão raro que, quando acontece, vira relato científico”, afirmou.

Stefani ressalta que não há falha técnica evidente nesses casos: “Os protocolos de triagem são seguros e rigorosos. O que existe é a impossibilidade de garantir risco zero.”

Ministério da Saúde diz que protocolos foram seguidos

Em nota, o Ministério da Saúde informou que todos os parâmetros internacionais para a realização do transplante foram cumpridos.

“Não foram identificados ou apresentados indícios de qualquer problema de saúde nos exames realizados no doador, incluindo a inspeção nos órgãos e abdômen, análise do seu histórico médico e entrevista com a família”, afirmou a pasta.

A família de Geraldo buscou esclarecimentos junto ao Ministério da Saúde e ao Ministério Público, mas, segundo o paciente, ainda não houve retorno.

Histórico clínico e agravamento do quadro

Geraldo havia sido diagnosticado com hepatite C em 2010, o que evoluiu para cirrose hepática, condição que o levou à fila de transplantes. Após receber o novo fígado, ele apresentou boa recuperação inicial.

Sete meses depois, exames de rotina identificaram nódulos malignos no órgão transplantado. Mesmo com um segundo transplante, o câncer já havia se espalhado, com metástase pulmonar.

Atualmente, Geraldo é paciente em cuidados paliativos.

Confira uma foto do exame que indica que paciente pode ter recebido câncer da doadora:

Exame
Foto: Arquivo Pessoal

Como funciona a triagem de doadores

O Manual dos Transplantes (2022), do Ministério da Saúde, estabelece uma série de critérios de triagem para evitar a transmissão de doenças.
Entre os procedimentos obrigatórios estão:

  • Exames sorológicos (HIV, hepatites, sífilis e citomegalovírus);

  • Testes laboratoriais para avaliar a função dos órgãos;

  • Exames de imagem, como ultrassonografia e tomografia, se houver suspeita de tumor;

  • Inspeção direta do órgão durante a cirurgia de captação.

Mesmo com todos esses protocolos, o documento reconhece que “há risco residual de doenças não detectáveis antes da captação”.

Especialistas destacam segurança e raridade dos casos

O cirurgião Pedro Luiz Bertevello, da Beneficência Portuguesa, reforça que o transplante é um procedimento seguro e essencial para salvar vidas.

“Nem mesmo o PET-CT é capaz de garantir que não exista uma célula mutada. É uma fatalidade médica que, por mais dolorosa, não significa erro”, disse.

Já o cirurgião Rafael Pinheiro, do Sistema Nacional de Transplantes, lembra que a chance de transmissão é inferior a 0,03%, segundo estudos internacionais.

“Esse caso foi uma fatalidade. Por mais que o risco seja ínfimo, ele existe. Mesmo assim, a triagem no Brasil é ampla e altamente restritiva”, explicou.

Falta de informação e direito do paciente

Apesar da raridade do evento, Geraldo e sua esposa afirmam que não foram informados sobre a possibilidade de desenvolvimento de câncer após o transplante.

“A gente fez muitas perguntas, e as primeiras respostas foram de que não tinha como saber que o doador tinha câncer antes da doação”, contou Maria Helena.

Ela ainda afirma que, se soubesse do risco, poderiam ter avaliado melhor a decisão:

“Meu marido estava estável, em tratamento, não era um caso desesperador.”

Maysa Vilela

Jornalista curiosa por natureza, com mais de 10 anos de estrada, movida por conexões fortes, viagens e boas histórias. Acredita que ouvir é o primeiro passo pra escrever com propósito. No Ocorre News, segue conectando pessoas através das palavras.

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