Mais de 800 mil brasileiros vivem com HIV, segundo o Ministério da Saúde. Desde a década de 1990, os pacientes contam com o coquetel antirretroviral, distribuído gratuitamente pelo SUS, que permite controlar o vírus. Agora, uma pesquisa inédita da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) traz esperança de uma nova forma de tratamento.
Paciente de São Paulo: do diagnóstico à remissão
O voluntário, identificado apenas como ‘Paciente de São Paulo’, contraiu o HIV em 2012. Quatro anos depois, decidiu participar do estudo coordenado pelo infectologista Ricardo Sobhie Diaz. Três anos após o início da pesquisa, recebeu a notícia surpreendente:
“Ele falou que eu estava curado. Aí eu falei: ‘como curado?’. Eu achava impossível. Eu falei: ‘eu quero fazer o exame de novo, eu quero fazer o exame do sangue’.
E eu fiz o exame na frente da médica, mais três enfermeiras na sala e elas começaram a chorar porque ninguém acreditou. E repetiu o exame e não dava nada.
Eu não tinha mais o vírus do HIV no meu sangue”, relatou, em entrevista ao ‘Fantástico’.
Até hoje, apenas sete pessoas no mundo foram oficialmente consideradas curadas do HIV. Este é o primeiro estudo com resultados promissores sem transplante de medula ou procedimentos invasivos, apenas com medicamentos.
Como funciona o tratamento inovador?
A estratégia combinou o coquetel tradicional a três novos medicamentos, que atacam os locais onde o vírus se esconde. Parte da terapia incluiu também fármacos que “acordam” o HIV latente, permitindo que o próprio tratamento o destrua.
“Também fizemos uma terapia celular, como uma vacina. Pegamos o vírus da própria pessoa, modificamos em laboratório e reintroduzimos no corpo. Assim, ela aprende a combater o vírus e principalmente a combater aquelas células que têm o vírus e que, ficam escondidos no corpo com vírus dormindo”, explicou o infectologista Ricardo Diaz.
Durante 78 semanas — cerca de um ano e meio —, o paciente não apresentou anticorpos detectáveis, como se nunca tivesse tido contato com o vírus. Outros dois voluntários também chegaram a controlar o HIV sem medicamentos, mas por períodos mais curtos.

Remissão ou cura funcional?
Apesar dos avanços, especialistas preferem cautela. O termo “cura” ainda é evitado.
“O HIV dessas pessoas não foi erradicado, ele ainda existe em alguns locais,
mas o objetivo principal seria manter o indivíduo com carga viral indetectável, ou seja, a doença não progride, ele não transmite, mesmo sem o uso de medicação”, explicou Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Segundo Diaz, no entanto, o caso brasileiro apresentou um passo além:
“Além da carga viral indetectável e da ausência do vírus nas células na forma que a gente procurava, os anticorpos do vírus sumiram. A pessoa quando se cura do HIV, negativa esses anticorpos, que foi o que aconteceu com essa pessoa que estava no nosso estudo”.
O estudo foi publicado em agosto em uma revista científica internacional de grande relevância acadêmica.
Próximos passos da pesquisa
De acordo com uma matéria do ‘Fantástico’, o doutor Ricardo adiantou que a próxima fase será realizada com um grupo maior de pacientes.
“A próxima etapa é a gente usar o mesmo tipo de estratégia de forma ajustada, combinando todas as intervenções e mudando a duração de algum tratamento, a duração de algum tipo de medicamento, a quantidade de medicamento e esperar, com um número maior de pessoas, que a gente confirme os resultados que a gente teve anteriormente”.
Novas armas contra o HIV
Enquanto isso, o Brasil já conta com uma novidade na prevenção: a injeção antirretroviral de longa duração, aplicada a cada dois meses.
“Essa medicação injetável cada dois meses é superior em relação aos comprimidos orais, entre 66 até 89% a depender da população que estejamos falando”, destacou Barbosa.
Atualmente, a profilaxia oral está disponível pelo SUS, mas a versão injetável, com custo elevado, ainda está em análise pelo Ministério da Saúde.
HIV no Brasil: cenário atual
Apesar dos avanços, o desafio persiste: entre 40 mil e 50 mil brasileiros se infectam com HIV todos os anos, e entre 9 mil e 10 mil ainda morrem em decorrência da aids.
“O que nós temos é que ter paciência, a ciência tem o seu ritmo, mas as pesquisas estão cada vez mais avançando”, concluiu Barbosa.