Casos de intoxicação por bebidas alcoólicas adulteradas com metanol têm chamado a atenção da ciência. Uma pergunta recorrente é: por que a mesma dose pode provocar apenas mal-estar em algumas pessoas, mas levar outras à cegueira ou até à falência múltipla de órgãos?
Segundo especialistas, a resposta está na genética. O metanol, álcool usado na indústria química, é metabolizado no fígado e transformado em substâncias altamente tóxicas, como o ácido fórmico. É esse processo que explica por que o risco varia de pessoa para pessoa.
Como o organismo processa o metanol
No fígado, o metanol passa por duas enzimas-chave: a álcool desidrogenase (ADH) e a aldeído desidrogenase (ALDH). Elas convertem a substância em formaldeído e depois em ácido fórmico, responsável pelos efeitos nocivos.
O médico geneticista Ciro Martinhago, da Sociedade Brasileira de Genética Médica, explica em entrevista ao ‘G1’:
“Indivíduos que metabolizam o metanol mais lentamente acumulam níveis mais altos de ácido fórmico e sofrem danos mais intensos.
Já quem metaboliza de forma mais rápida consegue eliminar parte da substância, apresentando um quadro menos severo.
Grupos populacionais mais vulneráveis
Algumas mutações genéticas afetam diretamente esse processo. Uma delas é a deficiência da enzima ALDH2, mais comum em pessoas de origem japonesa, chinesa e coreana. Essa variação dificulta a metabolização de subprodutos do álcool e pode aumentar a vulnerabilidade ao metanol.
Embora os estudos tenham se concentrado principalmente no etanol, as evidências mostram que mutações nessa família de enzimas também podem intensificar os efeitos tóxicos do metanol.
Reações diferentes diante da mesma dose
Nem sempre o risco está restrito a grupos específicos. Variações individuais podem alterar a velocidade de metabolização, explicando por que duas pessoas expostas à mesma bebida adulterada podem evoluir de formas completamente diferentes.
Martinhago reforça que sinais como vermelhidão no rosto e palpitações após o consumo de álcool comum podem indicar variantes genéticas relacionadas à sensibilidade.
“Esse histórico familiar de hipersensibilidade ao etanol pode sinalizar maior risco diante do metanol”, afirma.
Além da genética, fatores como idade, doenças pré-existentes e até o consumo simultâneo de etanol influenciam. O álcool comum, por exemplo, compete com o metanol pelas mesmas enzimas e, em ambiente médico, pode ser usado como antídoto.

Cegueira, falência de órgãos e diferenças de desfecho
O ácido fórmico atinge tecidos de alta demanda energética, mas o desfecho depende do organismo.
Ainda durante a entrevista, o geneticista Martinhago aponta que, em alguns indivíduos, o nervo óptico e a retina são mais vulneráveis, favorecendo a cegueira. Em outros, fígado, rins ou coração podem ser os mais prejudicados, levando à falência desses órgãos.
O médico Luis Fernando Penna, do Hospital Sírio-Libanês, detalha:
“É quando o ácido fórmico bloqueia a produção de energia nas células. O nervo óptico sofre cedo, mas coração, pulmões e rins também já começam a ser exigidos pela acidose metabólica.”
Já a hematologista Indianara Brandão, da Faculdade de Medicina do ABC, complementa:
“O fígado tenta nos defender, mas no caso do metanol ele fabrica o próprio veneno. O resultado é que órgãos de alta demanda energética, como os olhos, são atingidos primeiro, mas os rins e o cérebro também entram em risco de falência.”
O que a ciência já sabe?
Segundo especialistas, os primeiros sintomas surgem em até 24 horas após a ingestão e incluem visão borrada, sensibilidade à luz e respiração acelerada. Sem tratamento rápido, o quadro pode evoluir em 48 horas para convulsões, coma e falência múltipla de órgãos.
O fator genético ajuda a explicar por que alguns pacientes perdem a visão precocemente, enquanto outros sofrem danos mais severos em órgãos vitais.
Mas em todos os casos, uma regra é clara: o tempo é decisivo. Quanto mais cedo o paciente recebe tratamento, maiores as chances de evitar sequelas graves.
Autoridades médicas informaram que o tratamento deve ser realizado com etanol farmacêutico, utilizado como antídoto em casos de ingestão de metanol.
O medicamento bloqueia a conversão do metanol em ácido fórmico, substância altamente tóxica que pode provocar cegueira, falência de órgãos e até morte.
