Um modelo inovador de inteligência artificial (IA) mostrou ser capaz de antecipar, com até duas décadas de antecedência, o risco de surgimento de mais de mil doenças.
O sistema foi desenvolvido a partir de registros médicos de larga escala e testado em duas bases populacionais: cerca de 400 mil participantes do UK Biobank, no Reino Unido, e 1,9 milhão de pacientes do Registro Nacional de Saúde da Dinamarca.
O estudo foi publicado na revista científica ‘Nature’ e é considerado um dos mais abrangentes já realizados sobre o uso de IA generativa na modelagem da progressão de doenças humanas.
Como a tecnologia funciona?
O modelo funciona de forma semelhante aos grandes modelos de linguagem (LLMs), mas aplicado a históricos médicos. Nesse caso, diagnósticos, hábitos de vida e intervalos entre eventos clínicos são interpretados como uma espécie de “gramática da saúde”.
Assim, o algoritmo identifica padrões e calcula a probabilidade de doenças futuras. O desempenho foi mais preciso em condições de progressão definida, como certos tipos de câncer, infartos e septicemia.
Já em casos mais variáveis, como transtornos mentais ou complicações na gravidez, as previsões apresentaram menor confiabilidade.
“Nosso modelo é uma prova de conceito de que a IA pode aprender padrões de saúde de longo prazo e gerar previsões úteis”, afirmou Ewan Birney, diretor interino do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL).
O que pode ser previsto
As estimativas funcionam como previsões meteorológicas: não garantem certezas, mas indicam probabilidades.
Por exemplo, em homens entre 60 e 65 anos, o risco anual de ataque cardíaco variou entre 4 em 10 mil e 1 em 100, dependendo de histórico clínico e estilo de vida. Entre as mulheres na mesma faixa etária, a probabilidade foi menor, mas com distribuição semelhante.
Esses números se mostraram compatíveis com os casos realmente registrados nos bancos de dados analisados.

Potencial e limitações
Apesar do avanço, os cientistas destacam que o modelo ainda não está pronto para aplicação clínica. No momento, a ferramenta serve como apoio para pesquisas sobre progressão de doenças, impacto de hábitos de vida e simulações de saúde pública.
Entre as limitações estão o viés demográfico — já que o UK Biobank concentra principalmente adultos entre 40 e 60 anos e não abrange toda a diversidade étnica — e a menor precisão em condições de evolução instável.
“É o início de uma nova forma de entender a saúde humana”, declarou Moritz Gerstung, chefe da Divisão de IA em Oncologia do Centro Alemão de Pesquisa do Câncer (DKFZ).
“No futuro, modelos como esse poderão ajudar a personalizar o atendimento e antecipar necessidades em larga escala.”
Privacidade e ética
Os dados utilizados foram anonimizados e analisados sob rigorosos protocolos de privacidade. No Reino Unido, todos os voluntários forneceram consentimento informado. Já na Dinamarca, o acesso ocorreu dentro de sistemas virtuais que impedem a exportação de informações.
A pesquisa contou com financiamento do EMBL, do DKFZ e da Fundação Novo Nordisk, além da participação do Instituto Europeu de Bioinformática (EMBL-EBI) e da Universidade de Copenhague.